terça-feira, 22 de abril de 2014

ELOÍ, ELOÍ...



Desde que saíra de Magdala e conhecera a Jesus, Maria nunca mais o abandonou. Tinha seus motivos.
Quando Jesus chegou a sua cidade, de barco, pelo lago de Kinereth, Maria foi ouvi-lo. Primeiro ele falou ainda dentro do barco; depois, desceu, os discípulos com ele, e começou a conversar com as pessoas. Ela não conseguia se aproximar. Não tinha amigos para facilitar o acesso a ele, sempre cercado.
Mesmo de longe, entendeu que precisava dele. Na sinagoga, não conseguiram resolver o seu problema. 
Sua família não sabia lidar com o seu problema e a expulsou de casa. Seu pai tinha morrido quando ela estava com oito anos. Ficou com a mãe e os seis irmãos, dois rapazes, três meninas e ela, a do meio. Quando o seu pai morreu, ela afundou na tristeza. Não tinha fome. Emagreceu muito. Não saía de casa, num quarto que ninguém entrava. Seus irmãos tinham vergonha dela.
Quando fez 16 anos, seu irmão mais velho disse para ela ir embora.
-- Para onde eu vou, Jacó?
-- Você é amaldiçoada e amaldiçoa a nossa casa.
Ela procurou ajuda na mãe, que apenas chorava.
No dia seguinte, tornou-se andarilha. Como tinha medo, ia de Magdala para Tiberíades, de Tiberíades para Magdala. Ia devagar. Demorava um dia para percorrer os 5 kilômetros. Uma vez, percorreu o caminho das pombas para Nazaré, mas voltou no meio, com medo de ir para longe do lago.
Comia quando lhe davam comida. Sua mãe sempre mandava um embrulho para ela, escondida dos irmãos. Continuava muito magra, magra e encurvada, quase sempre suja.
Ficou dois anos nessa vida.
Quando Jesus desceu em Magdala, Maria estava lá.
Ela estava bem, mas começou a gritar desordenadamente. Seus uivos abriram caminho para Jesus. Ele logo notou.
Então, perdeu a razão. Quando ela caiu, convulsionando, Jesus se aproximou.
Uma mulher tentou impedir o encontro:
-- É Maria, uma mulher miserável, mestre. Não dê importância. Ela é tão ruim que a sua família a expulsou.
Jesus se aproximou. Ela se batia por todos os lados. Ela batia a cabeça no chão. O sangue começou a minar dos seus cabelos, longos, desarrumados.
Jesus olhou para ela. Pegou-a pela mão e fez com que se sentasse no chão.
-- Como você está se sentindo.
Ela cuspiu no rosto de Jesus, que gritou, pondo suavemente a cabeça dela no chão e se levantando.
-- Sai dela, espírito imundo. É uma ordem.
O corpo tremeu, mas os olhos continuavam fechados.
-- Sai dela, espírito imundo. Eu ordenando.
O corpo tremeu de novo, mas os olhos ainda estavam cerrados.
Por mais cinco vezes, Jesus deu a mesma ordem. 
Então, ela abriu os olhos.
Trouxeram pão e um suco de romã. Ela se levantou. Jesus já tinha ido. Ela se levantou e o seguiu.
Perdeu, quando ele entrou no barco e foi embora.
Ela foi pela estrada e chegou a Cafarnaum. Foi à sua casa. Ele não estava. Falou com Maria. Contou sua história. Maria chorou. Ficaram amigas as duas Marias.
A sogra de Pedro, saúde fraca, a recebeu em casa. Ela ajudava no que podia. Enquanto preparava os pães, cantava. Gostava do salmo 22, porque era também sua história: "Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?". Gostava também do salmo 46, mas não conhecia Jerusalém. Muitas vezes Pedro levava os seus pães quando saía com Jesus.
Um dia ele chegou em casa e disse que iria para Jerusalém com Jesus. Iam todos os que podiam andar. Viagem longa. Seriam vários dias para completarem os 160 quilômetros, mas Jesus estava decidido. Tinha que ir.
Maria Madalena foi também. Fazia pão como ninguém. Cantava como ninguém. Ficou hospedada na casa de Suzana, perto do tanque de Betesda. Quando podia, seguia a Jesus, sempre de longe, como convinha a uma mulher.
Ela nunca abandonou Jesus. Quando os sete espíritos a visitavam de vez em quando, a sua família a abandonou de vez. Então, Jesus a encontrou. Ela não iria abandoná-la. Ele podia precisar dela.
Quando a Páscoa começou a chegar e, junto, os milhares de peregrinos, Maria Madalena começou a sentir uma grande tristeza. Sentia que algo ruim estava para acontecer.
Quando Jesus saiu de Betânia para Jerusalém pela última vez, Maria Madalena foi falar com Suzana:
-- Não sei o que vai acontecer, mas meu coração anda apertado.
Suzana, que conheceu Jesus num jantar na casa de Joana de Cuza, tentou confortá-la, mas também estava com medo.
-- Eu não posso abandoná-lo.
-- Eu também -- disse Suzana. Sempre tivemos dinheiro. Na minha casa, nunca faltou nada. Eu me casei. Nunca faltou nada. Eu só não tinha filhos. Agora tenho, depois que Jesus me abençoou. Também não vou abandoná-lo, mas estou preocupada. Nunca vi tanta gente assim na cidade. O sinédrio tem reunião todo dia. Meu marido não sai de lá. Ele não fala nada porque sabe que sou uma discípula.
Todos os dias as duas conversavam, cada uma falando do que Jesus fizeram em suas vidas.
Então, chegou a sexta-feira. As duas acordaram cedo e uma empregada disse que um amigo dela que era guarda de José Caifás lhe disse que no dia anterior Judas entregara Jesus ao pessoal do templo.
-- Dizem que foi com um beijo.
As duas saíram de casa. Quando chegaram ao monte das Oliveiras, Jesus já estava crucificado. De longe, choraram muito. Choraram e se consolaram.
Mãos dados, foram subindo o monte do Crânio. Maria, a mãe chorava. Os discípulos choravam. As mulheres choravam.
Chegando mais perto, elas conseguiram ver o maravilhoso homem que as livrara de suas angústias.
Tiveram tempo de ouvir sua voz suave, fraca como uma luz que se apaga, orar ao Pai:
-- Eloí, Eloí, lamá sabactâni.
As suas se entreolharam, como se dissessem:
-- Nós não vamos abandoná-lo.

ISRAEL BELO DE AZEVEDO

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